Renovação da Esquerda?

João Carlos Espada
Expresso, 20081223

Muito se falou esta semana sobre a renovação da esquerda. É sempre agradável ver muitas pessoas reunidas para tratar da renovação de ideias - de esquerda, de centro, ou de direita. E a oportunidade é boa, precisamente para discutir ideais.
No caso da esquerda, qualquer renovação será difícil sem uma discussão séria sobre o último grande esforço de renovação à esquerda: os 'New Democrats' americanos e o 'New Labour' inglês. Os vincados sucessos governativos de Bill Clinton e Tony Blair foram precedidos de um longo período de maturação de ideias - precisamente com vista à 'renovação da esquerda'.
E houve uma renovação importante. Eles mantiveram o compromisso da esquerda de usar poderes e dinheiros públicos para proteger os mais vulneráveis e reduzir as desigualdades. Mas admitiram explicitamente que isso não devia ser feito contra o processo de 'destruição criativa' do mercado - para usar uma expressão de Schumpeter.
Por outras palavras, eles introduziram uma distinção crucial entre, por um lado, proteger os indivíduos atingidos por contrariedades do mercado, e, por outro, proteger os empregos desses indivíduos.
Eles admitiram que a chave do progresso económico é a renovação concorrencial do tecido produtivo. Por isso, deixaram de proteger empregos e sectores ameaçados. E optaram por concentrar esforços públicos numa rede de segurança e em formação profissional para os que perdem os empregos. (Haveria ainda muito a fazer nesta direcção: por exemplo, aplicar os mesmos princípios aos gigantescos quase-monopólios estatais na educação e na saúde).
Aqui está a chave do sucesso dos New Democrats e do New Labour. Ao adoptarem estes princípios, foram capazes de tranquilizar e até de alargar o seu apelo às classes médias. Há tempos, a sra. Thatcher disse-me num evento churchilliano em Londres: "Isto está muito difícil porque o New Labour roubou as nossas ideias".
Em contrapartida, este 'roubo' foi acusado de 'traição' por outras esquerdas. Mas é caso para perguntar: traição a quê? É que nunca existiu uma só esquerda: existiram sempre várias. E uma das que mais pedem renovação é a que ficou órfã com a queda do muro de Berlim e a redução do espaço para o frentismo anticapitalista e antiamericano. (É certo que, temporariamente, eles procuraram reabrir o frentismo com a campanha anti-Bush. Mas Bush vai-se embora e Obama está a esvaziar esse frentismo).
Receio bem que o esclarecimento destas diferenças requeira mais rigor do que estimáveis apelos poéticos à 'renovação da esquerda'.
João Carlos Espada

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