Ou Deus ou Nada. O menino do mato que chegou a cardeal.

P. GONÇALO PORTOCARRERO DE ALMADA    VOZ DA VERDADE   16.10.2016

Há cardeais que vestem a púrpura dos príncipes, porque todos o são na Igreja, mas também os há que, como os apóstolos, trajam o vermelho do sangue dos mártires e dos confessores da fé. Este é o caso do Cardeal Robert Sarah, o ‘menino do mato’ que actualmente é prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos. A convite da Fundação Junção do Bem, o Cardeal Sarah vem este mês a Portugal, para peregrinar a Fátima e para, em Lisboa, proferir uma conferência sobre “A crise de Deus no Ocidente e a missão dos cristãos”, no próximo dia 19, pelas 18h 30m, no auditório Cardeal Medeiros, da Universidade Católica Portuguesa.
É, por feliz coincidência, um prelado cuja biografia evoca os três últimos Papas: São João Paulo II, que o nomeou arcebispo e levou para Roma, nomeando-o secretário da Congregação para a Evangelização dos Povos; Bento XVI, que o elevou ao cardinalato e designou presidente do Pontifício Conselho Cor Unum; e o Papa Francisco que, em 2014, o nomeou prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos.
O Cardeal Robert Sarah, guineense, nasceu no seio de uma família católica, sendo natural de Ourous, a cerca de 500 kms de Conacri. Ainda muito jovem, entrou para o seminário mas, devido à perseguição movida contra a Igreja Católica por Sékou Touré, um dos mais sanguinários ditadores africanos, teve que prosseguir os seus estudos filosófico-teológicos no Senegal e em França. Mais tarde, licenciou-se em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, doutorando-se depois em Sagrada Escritura, pelo Instituto Bíblico de Jerusalém.
Em 1979, aos 34 anos de idade, Robert Sarah tornou-se o bispo mais novo da Igreja Católica, como arcebispo de Conacri, capital da sua Guiné, vizinha da homónima ex-colónia portuguesa. Foi também presidente da Conferência Episcopal do seu país e da Conferência Episcopal Regional da África Ocidental. O seu antecessor na arquidiocese de Conacri esteve preso, durante vários anos, pelo governo marxista; também o arcebispo Sarah, à conta da sua corajosa luta pela liberdade e pelos direitos humanos dos guineenses, não só foi perseguido como teve também a sua cabeça a prémio. São João Paulo II, reconhecendo a sua coragem e o seu extraordinário trabalho pastoral, chamou-o, em 2001, para a cúria romana, onde, desde então, permanece.
Em boa hora, aproveitando a vinda a Portugal do purpurado guineense, a editora Lucerna lançou a tradução portuguesa de uma longa entrevista que o Cardeal Sarah concedeu ao jornalista Nicolas Diat: Dieu ou rien (Fayard, 2016). Segundo a correspondente nota editorial, “nesta fascinante entrevista autobiográfica, Robert Sarah, um dos mais desassombrados cardeais da Igreja Católica, dá um testemunho ímpar da sua fé e comenta muitos dos acontecimentos, desafios e controvérsias das últimas décadas. A missão da Igreja, a alegria do Evangelho, os Papas, o mundo moderno, África e o Ocidente, a moral, a verdade, o mal e Deus – sempre – são alguns dos temas que o cardeal aborda com grande clareza e sabedoria”.
“Toda a vida de Robert Sarah, o menino do mato que se tornou cardeal, foi sendo construída sobre a rocha da fé, a defesa da verdade, a humildade, a simplicidade e a coragem, e decorreu como uma espécie de milagre, uma sucessão de momentos que parecem impossíveis sem a intervenção do Céu”.
Sobre Deus ou nada, Bento XVI, que prefaciou a obra, escreveu ao Cardeal Sarah: “Li Deus ou nada com grande proveito espiritual, alegria e gratidão. O vosso testemunho sobre a Igreja em África, bem como sobre o sofrimento durante o regime marxista na Guiné-Conacri […] tem uma grande importância para a Igreja. É singularmente relevante e profundo o que afirma sobre a centralidade de Deus, a celebração da liturgia e a vida moral dos cristãos. A sua corajosa resposta à ‘ideologia do género’ esclarece uma questão antropológica fundamental”.
Deus ou nada não é apenas o título desta impressionante entrevista ao Cardeal Sarah: é também o dilema a que cada ser humano e sociedade devem responder. Como escreveu Samuel Gregg, em Crisis Magazine, resumindo o argumento principal desta entrevista, “as sociedades que perdem o sentido de Deus – não de qualquer deus, mas do Deus que é, simultaneamente, Caritas, Logos, Misericordia e Veritas – e escolhem o nada, não conseguem evitar a experiência de um declínio profundo”.

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