A história do verdadeiro patinho feio

BERNARDO DO VALLE DE CASTRO

Num belo e discreto junco, junto a um lindo lago onde não havia cisnes, mas povoado de rãs, libelinhas, peixes e salamandras coloridas, vivia um simpático casal de patos.
Na Primavera, aquela mãe pata pôs os seus ovos e, de vez em quando, ausentava-se do ninho para procurar alimento com o seu bico achatado, entre as pedras lodosas do fundo do lago. Rapidamente, no entanto, lá vinha ela toda choca para o seu ninho.
Passado o tempo que a natureza determinou adequado para que os ovos eclodissem, todos eclodiram menos um. A surpresa daquela mãe pata durou apenas mais um dia, até que do seu último ovo nasceu um patito em quase tudo igual aos outros, simplesmente em vez de todo amarelo, tinha laivos de castanho claro. A mãe gostava dele como gostava dos outros: educava-o para ser um bom patinho, para nadar na fila, como os seus irmãos, e para não se afastar demasiado. Para ele, no entanto, eram duras e custavam muito as coisas que os outros lhe faziam, porque o punham de lado e dele faziam troça.
Tanto persistiu esta troça que, de desconfortável, o pobre patinho se tornou infeliz. Tão infeliz que um dia resolveu que tinha que fazer qualquer coisa. Ou fugia, ou algo na sua vida tinha que mudar: resignar-se a aprender a viver com aquelas riscas, procurando quem o aceitasse como ele era estava fora de questão. Antes, por exemplo, afastar-se da sua família do que suportar as asas apontadas diariamente e a cansativa dor da troça sem razão: afinal, ele era tão filho daquela pata e daquele pato como a restante ninhada!
Ele era realmente diferente dos seus irmãos patos: sem dúvida tinha cores diferentes e isso fazia-o sofrer verdadeiramente – que nenhum animal do lago disso duvidasse. O que o patinho feio não foi percebendo, no entanto, é que todos os outros animais também tinham algumas diferenças que tantas vezes tornavam a sua existência dura: ora era a rã que dava saltos mais curtos que as amigas e, em vez de saltar de nenúfar em nenúfar, caía sempre no lago depois do salto; ou era a libelinha que em vez de apenas tocar na água com o seu voo rasante, mergulhava bruscamente sem querer, e tinha que fazer um esforço enorme por secar as suas delicadíssimas asas; ou era a o peixe que, nunca calculando bem os buracos entre os ramos submersos, perdia invariavelmente algumas escamas sempre que ficava entalado, o que era ocasião de troça para os restantes peixes malcriados e maldosos.
Não era de desprezar, aquela diferença e aquele sofrimento. Um dia, profundamente abatido e amargurado, sem apoio dos que lhe eram mais próximos, que nunca o tinham compreendido, o nosso patinho feio decidiu que daí em diante não seria mais pato: a partir dali seria um lindo cisne! De facto, à medida que aprofundava a ideia, olhava para o que tinha sido a sua experiência de pato e percebia que não era pato que se sentira sempre mas outra coisa totalmente diferente. A ideia de ser um cisne fazia-lhe agora todo o sentido. Tinha nascido para ser cisne, cisne seria! 
Até aqui, tudo bem. Fora o facto de ser pato.
O problema foi que o nosso patito viu nisso uma solução ideal para todos os animais que tivessem qualquer diferença em relação aos da sua espécie – e eram tantos, claro! Não havia, na verdade, dois animais iguais! A partir daquele dia, sem ninguém lhe pedir, impôs uma regra no lago segundo a qual as rãs que, ainda girinos, não adorassem saltar, se pudessem passar a chamar salamandras; que todas as libelinhas que ainda não soubessem voar de forma desenvolta se pudessem passar a chamar mergulhões, e que todos os peixes com propensão para ficarem presos aos obstáculos se pudessem passar a chamar lapas.
Para aquele patinho feio fora insuportável viver com a diferença que o separava dos restantes patos. Tratou da sua vida como melhor achou.
O problema foi o enorme caos que criou naquele pacato lago, onde, a partir dali, mais nenhum animal soube o que era.


Comentários

Mensagens populares deste blogue

OS JOVENS DE HOJE segundo Sócrates

Hino da Padroeira

O passeio de Santo António